A cena do hip hop no Distrito Federal reafirma sua vanguarda e capacidade de inovação com o lançamento de uma obra que transcende as batidas tradicionais. O rapper e produtor Mano Dáblio apresentou ao público, neste mês de dezembro, a Cypher VI Imaterial, um videoclipe bilíngue que coloca a Língua Brasileira de Sinais (Libras) no centro do palco, não apenas como ferramenta de acessibilidade, mas como expressão artística pura e pulsante. Gravada em cenários urbanos de Taguatinga e do Guará, a produção já está disponível nas principais plataformas digitais e marca um novo capítulo na estética inclusiva da cultura de rua.
O projeto se destaca por ser uma construção genuinamente colaborativa. Na Cypher VI Imaterial, a rima e o gesto possuem o mesmo peso narrativo. Para dar vida a essa proposta, Mano Dáblio convocou um time de peso composto por artistas da palavra e performers surdos. Nos vocais, somam-se ao idealizador as MCs Fernanda Morgani, Rakel Reis, Estelar e Mihh Black, trazendo versos carregados de vivências e resistência. Simultaneamente, as intérpretes surdas Rute Catarina, Ana Cristina, Diego Porttela, Adriana Marques e Dayane Barbosa assumem o protagonismo visual, performando suas próprias traduções e ressignificando a musicalidade para o público surdo.
A revolução estética da Língua Brasileira de Sinais no rap
Historicamente, a presença de intérpretes de Libras em produções audiovisuais costuma ficar restrita a janelas laterais, servindo estritamente à função comunicativa. A Cypher VI Imaterial rompe com essa lógica ao integrar os intérpretes à caixa cênica como parte indissociável da obra. O resultado é uma estética fluida onde o rap, a poesia marginal e os beats pesados dialogam diretamente com a expressão corporal.
Mano Dáblio, pioneiro na implementação desse formato dentro do rap nacional, reforça que a intenção é criar um ambiente de troca real. A proposta é que a comunidade surda não seja apenas espectadora passiva, mas que se sinta representada e parte integrante da cultura hip hop. Ao elevar a Libras ao status de performance artística, o projeto amplia as possibilidades de apreciação da língua, transformando cada sinal em uma extensão do flow e da batida que conduz a música.
Diversidade e resistência na cultura hip hop
O formato “cypher” é conhecido mundialmente por reunir MCs em uma roda onde cada um apresenta suas composições sobre uma base instrumental comum. No entanto, muitas dessas reuniões ainda refletem um cenário majoritariamente masculino. O projeto Imaterial, iniciado em 2019, nasceu justamente para questionar e alterar essa dinâmica. A sexta edição da série mantém o compromisso de dar visibilidade a quem muitas vezes é marginalizado dentro da própria periferia.
Ao priorizar convidadas mulheres, pessoas pretas e a comunidade LGBTQIAPN+, a Cypher VI Imaterial utiliza a arte como ferramenta política de inclusão. Segundo Mano Dáblio, a ausência de diversidade em outras cyphers era um incômodo que serviu de combustível para a criação do projeto. O objetivo é claro: oferecer uma plataforma de livre expressão e co-criação para artistas que trazem perspectivas únicas e urgentes para o cenário urbano.
Realizada com recursos da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), através da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC-DF), a obra consolida o rap como um movimento que está em constante evolução. A união entre a lírica afiada dos MCs e a expressividade potente dos artistas surdos faz desta produção um marco necessário. Para quem busca entender os novos rumos da música urbana brasileira, assistir à Cypher VI Imaterial é, sem dúvida, uma experiência obrigatória que conecta mundos, quebra silêncios e celebra a diversidade em sua forma mais crua e poética.

