O Brasil, com mais de 800 mil pessoas encarceradas, ocupa a terceira posição no ranking de maior população carcerária do mundo. Em meio a esse cenário complexo, o documentário “O Grito – Regime Disciplinar Diferenciado” mergulha nas entranhas de um dos temas mais delicados da sociedade brasileira: o sistema penitenciário.
O filme oferece um raio-x dessa realidade e, em particular, dos efeitos da Portaria 157/2019, que intensificou o isolamento de detentos de alta periculosidade, em vez de promover a reabilitação. Inédito no circuito comercial, O Grito estreou no ultimo dia 29 de setembro de 2024, na Netflix.
Dirigido por Rodrigo Giannetto, vencedor do Emmy Internacional 2023, o documentário apresenta de forma sensível as histórias de famílias de presos que sofreram as consequências da Portaria 157.
Essa medida proibiu o contato físico entre detentos de presídios federais de segurança máxima e seus familiares, provocando rupturas em laços afetivos e sociais. A narrativa também explora o impacto sobre agentes penitenciários, diretores de presídios e outros funcionários públicos envolvidos diretamente na aplicação da norma.
Além dos presos e seus familiares, o filme destaca como a Portaria afetou a sociedade em geral. Um dos grandes debates abordados é o posicionamento da população em relação aos direitos dos detentos, especialmente quando as condições precárias do sistema penitenciário brasileiro acabam alimentando o crescimento das facções criminosas, ao invés de combatê-las.
O longa da Real Filmes contou com cinco meses de produção intensa, percorrendo várias regiões do Brasil para captar a complexidade dessa questão. Giannetto destacou o desafio de abordar um tema tão sensível:
Trazer à luz de forma séria e respeitosa um assunto como o sistema penitenciário e os efeitos dele em quem fica do lado de fora das prisões foi o grande desafio, ainda mais por envolver sérias questões humanas e sociais de grande importância. Foram cinco meses de produção em jornadas por todo país, pesquisando, apurando, criando e principalmente dando oportunidade para que todos os lados envolvidos nessa complexa questão gritassem suas verdades e expressassem suas opiniões.
O documentário intercala depoimentos de familiares, especialistas e autoridades, revelando as camadas jurídicas, psicológicas e socioculturais afetadas pela medida. Entre os participantes estão figuras de destaque como Luís Roberto Barroso, presidente do STF, Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial, e o ativista Padre Júlio Lancellotti, além de familiares de detentos famosos como Marcola e Marcinho VP.
Mesmo com leis estabelecendo direitos aos detentos, as visitas sociais ou íntimas não vêm sendo seguidas desde 2019, quando entrou em vigor a portaria 157, assinada pelo então ministro da Justiça, Sérgio Moro. A proposta foi reforçada em 2020 com a pandemia de Covid-19. Em outubro de 2023, o STF reconheceu a medida como violação massiva dos direitos fundamentais dos detentos e solicitou mudanças significativas e urgentes.
Em seu circuito de festivais, o “Grito” recebeu menção honrosa no Festival International de Cinéma et Mémoire Commune, no Marrocos. Também esteve na seleção oficial de eventos internacionais como o Internazionale Nebrodi Cinema (Itália), Anticensura Film Festival e LA Film & Documentary Award (EUA) e CinemaKing International Film Festival, em Bangladesh. O filme está na programação do FIDBA (Argentina), que acontece em outubro deste ano.