Jacira Roque de Oliveira, conhecida nacionalmente como Dona Jacira, faleceu nesta segunda-feira, 28 de julho de 2025, aos 60 anos, em São Paulo. Escritora, artista plástica, poeta e referência comunitária, ela era mãe de quatro filhos, incluindo os artistas Emicida e Evandro Fióti.
A causa da morte não foi oficialmente divulgada, mas a artista enfrentava há mais de 25 anos o lúpus, uma doença autoimune grave, e realizava hemodiálise com frequência.
A notícia da morte foi confirmada por amigos próximos à família e, em seguida, por um comunicado oficial, que ressaltou sua importância enquanto figura materna, educadora informal e inspiração para as novas gerações.
“Dona Jacira foi uma mulher detentora de tecnologias ancestrais de sobrevivência e resistência que construíram um legado enorme para as artes e para a cultura afrobrasileira”
Afirmou a família em nota.
Da zona norte de São Paulo para o coração do Brasil
Nascida e criada na zona norte de São Paulo, Dona Jacira foi uma mulher que transformou sua dor em sabedoria e arte. Vivendo uma juventude marcada por abusos, casamento precoce e dificuldades financeiras após a morte do marido, ela criou seus filhos em condições desafiadoras — sem nunca deixar de lado sua força interior e sua fé nas pessoas e na cultura popular.
Foi na maturidade que Dona Jacira se reconectou com a arte e com suas raízes. Se formou em Desenvolvimento Humano, mergulhou na literatura, nas artes plásticas e começou a escrever poesias e crônicas. Com seu olhar afiado e afetivo sobre a realidade periférica, conquistou respeito não apenas como mãe de dois dos maiores nomes da música brasileira contemporânea, mas por sua própria caminhada.
Voz ativa no universo cultural e social
Dona Jacira era muito mais que uma figura materna nos bastidores da carreira de Emicida e Fióti. Ela se tornou uma voz ativa e potente em debates sobre desigualdade, ancestralidade e espiritualidade. Seu carisma, sua fala firme e sua postura acolhedora a tornaram símbolo de resistência para mulheres negras e periféricas.
Participou de inúmeros eventos, rodas de conversa e feiras literárias, sempre reforçando a importância da memória, da oralidade e da cultura popular. Em seus relatos, era comum falar sobre os aprendizados da vida com uma sabedoria que transcendia os livros acadêmicos. Falava com o corpo, com a arte, com a cozinha, com os bordados e com os afetos.
Autora, artista e inspiração
Em 2018, Dona Jacira lançou o livro “Sorte de Urubu – Oríkì Para Os Que Voam”, pela Laboratório Fantasma (selo fundado por seus filhos). A obra é um conjunto de poemas e crônicas que misturam memória, espiritualidade e resistência ancestral. Seu texto é direto, íntimo, cheio de humor e dor — um retrato do Brasil profundo que ela representava com tanta dignidade.
Ela também desenvolveu trabalhos como artista plástica, utilizando materiais recicláveis para criar obras que expressavam a beleza da negritude e a força das mulheres. Em oficinas e projetos comunitários, ensinava arte e palavra a outras mulheres, criando espaços de afeto e troca.
Relação com os filhos e influência na carreira de Emicida
A trajetória de Emicida e Fióti carrega profundamente a marca de Dona Jacira. Mais do que apoio emocional, ela foi inspiração direta em muitas composições do rapper. Canções como “Mãe” e trechos de “AmarElo” são dedicatórias explícitas à sua figura, sempre retratada como exemplo de força e doçura em meio ao caos urbano.
No documentário “AmarElo – É Tudo Pra Ontem”, lançado pela Netflix, Dona Jacira tem participação destacada. Suas falas sobre ancestralidade, sobrevivência e afeto emocionaram milhares de espectadores. Para muitos, ela se tornou uma segunda mãe, uma guia espiritual e simbólica.
Um legado que transcende a vida
A perda de Dona Jacira é sentida não apenas no universo da música, mas em toda a cultura brasileira. Ela representa uma geração de mulheres negras que sustentaram famílias, comunidades e sonhos mesmo diante da pobreza, do racismo e da dor.
Seu legado será levado adiante por seus filhos, netos, e por todos que foram tocados por suas palavras e ações. Sua memória vive em cada jovem negro que ousa sonhar, em cada mulher periférica que resiste, em cada verso escrito nas ruas.
Repercussão nas redes sociais
Diversos artistas e personalidades usaram as redes sociais para homenagear Dona Jacira. O próprio Emicida ainda não se manifestou diretamente, mas perfis ligados à Laboratório Fantasma e artistas como Drik Barbosa, Rashid, Tássia Reis, KL Jay e Luedji Luna publicaram mensagens de carinho e respeito.
Dona Jacira foi e continuará sendo farol. Que sua passagem seja de luz e descanso. Axé eterno.
Escreveu a poetisa Mel Duarte.
Despedida com respeito e gratidão
A família de Dona Jacira pediu privacidade nesse momento tão delicado e agradeceu o carinho de todos. Ainda não foram divulgadas informações sobre o velório ou sepultamento.
Mais do que um adeus, esse é um momento de celebração de uma vida que foi exemplo de amor, luta, espiritualidade e arte. Dona Jacira não era apenas mãe de Emicida: ela era mãe de uma geração inteira que aprendeu a enxergar potência na periferia, sabedoria na ancestralidade e beleza na resistência.